Censura NÃO! Cuiabá luta pelo direito de ensinar e aprender
Enquanto berram nas redes por seu “direito” de mentir, ofender e ameaçar, grupos bolsonaristas contam com apoio explícito da Secretaria de Segurança para reprimir a liberdade de cátedra, constranger publicamente uma professora e “mandar recado” a quem não aceita a imposição reacionária
Não é novidade pra ninguém que esse é um governo contra a educação. Antes mesmo de ser eleito, grupos da chamada “Escola sem Partido” estimulavam estudantes a denunciar professores “esquerdistas” que deveriam ser expostos e demitidos. Com a pandemia e as aulas remotas, muitos pais estão gravando as falas de profissionais e até interpelando diretamente os docentes para refutar informações factuais básicas como a falta de provas das alegadas fraudes nas urnas eletrônicas.
Em Cuiabá, essa semana, a repressão e constrangimento ao direito de cátedra, que garante a liberdade aos profissionais e discentes a uma experiência mais rica do ensino-aprendizado, escalou mais um degrau. Na segunda-feira, dia 30 de agosto, começaram a circular pelos grupos de WhatsApp de pais do tradicional colégio particular Notre Dame de Lourdes o áudio de uma docente do 3º ano do ensino fundamental narrando fatos sobre a pessoa que ocupa atualmente a presidência da república:
“Ele é a favor do desmatamento. Ele é a favor que os garimpeiros façam destruição dentro das terras indígenas. Além da destruição da natureza, está prejudicando o povo indígena. Os garimpeiros e o presidente da república são a favor disso. Temos que começar a pensar o que queremos para o nosso Brasil”. “Votamos com a urna eletrônica, então não tem como você ‘roubar’. Tem como ‘roubar’ se for no papelzinho, e ele quer que volte a votação pelo papelzinho, que é para facilitar para ele fazer o que quiser”.
Onde está o erro nessas afirmações? Há dezenas de declarações do presidente a favor da mineração em áreas indígenas, inclusive com Projeto de Lei nesse sentido enviado ao Congresso. Quanto ao voto impresso, o próprio mandatário assumiu diversas vezes que não possui qualquer prova de fraude nas urnas eletrônicas, usando até mesmo a estrutura da TV Brasil para mostrar durante duas horas denúncias já refutadas.
Ainda assim, na terça-feira, a direção da escola suspendeu a professora das aulas alegando que “comentários de caráter político-partidário” infligem o “código de ética” que todo docente é obrigado a assinar para trabalhar no colégio. Em nota oficial, “a direção do Notre Dame de Lourdes reafirma que não apoia tal conduta e que a opinião expressada não reflete a posição da instituição”. O fato gerou uma reação imediata das entidades de apoio aos estudantes e professores. A União Brasileira dos Estudantes Secundaristas, por exemplo, se manifestou pelo Twitter logo no dia seguinte.
A coisa já era terrível e poderia ter parado por aí, mas em um movimento ainda não totalmente esclarecido, na manhã de quinta-feira, 2 de setembro, uma helicóptero do Centro Integrado de Operações Aéreas (CIOPAer), órgão da Secretaria de Estado de Segurança Pública de Mato Grosso Sesp-MT pairou a baixa altura sobre o colégio durante o período do intervalo de aulas com uma bandeira do Brasil pendurada na janela, num claro “recado” do poder público matogrossense de que não serão admitidas críticas ao governo federal, sejam em escolas públicas ou privadas. Questionadas, Sesp e direção da escola inventaram a desculpa de que não haveria “conotação política” no ato, feito a pedido da escola como “parte das atividades da Semana da Pátria” com o “intuito de demonstrar patriotismo”.
Se a antiética divulgação de áudios de sua aula e a ilegal suspensão da professora já a colocavam sob risco numa das mais reacionárias unidades da federação, com um dos poucos governadores que NÃO assinou a carta em defesa da Democracia e do Supremo Tribunal Federal e sede da principal entidade do agronegócio financiando as manifestações golpistas de 7 de setembro, a repercussão nacional do caso pode destruir sua vida. Talvez literalmente, já que não falta fascista alucinado no Brasil.
Diante disso, nas últimas quinta e sexta-feira, entidades, políticos e estudantes se manifestaram nas ruas, nas redes e nos tribunais exigindo proteção à docente e liberdade de cátedra e expressão. Enquanto a vereadora Edna Sampaio, do PT de Cuiabá, fez uma representação junto ao Ministério Público do Trabalho (MPT-MT) e Ministério Público Estadual (MPE) exigindo providências quanto à censura imposta à professora, o deputado estadual do PT Lúdio Cabral fez uma representação junto ao MPE contra o governador e o secretário de segurança por conta do uso ilegal do helicóptero do CIOPAer na intimidação de cidadãos.
Vereadora Edna Sampaio conversa com estudantes durante protesto. Foto: Francisco Alves
Na sexta pela manhã, Edna Sampaio se juntou a ativistas do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), UBES, da União Estadual dos Estudantes (UEE-MT), Sindicato dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino do Mato Grosso (Sintrae-MT) e Levante da Juventude de Mato Grosso num protesto em frente à Sesp.
Foto: Francisco Alves
Para a presidenta da União Estadual dos Estudantes (UEE), Giovanna Bezerra, “a bandeira do nosso pais se tornou um símbolo do fascismo. Esse ato da Polícia Militar, da CIOPAer, de sobrevoar a escola logo após a professora ter sido suspensa por três dias, foi para amedrontar e colocar o medo nos estudantes, na comunidade acadêmica e professores”.
Para a presidenta da União Brasileira de Estudantes Secundaristas (UBES), Rozana Barroso, que está em Cuiabá para acompanhar o caso, a “situação é absurda e antidemocrática, mas não aceitaremos censura!”
Rozana Barroso, presidenta da UBES
Veja abaixo mais imagens do protesto produzidas pelo fotojornalista Francisco Alves:
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